Essa figura feminina é a deusa grega Diké, filha de Zeus e de Thémis, que, de olhos abertos, segura

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"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito" - Rudolf Von Ihering, jurista alemão na obra "Der Kampf ums Recht", conhecida como A Luta pelo Direito, Palestra realizada em Viena , em 1872.

terça-feira, 16 de março de 2010

DIREITOS COLETIVOS E O MICROSSISTEMA DE PROCESSO CIVIL COLETIVO BRASILEIRO

por Juarez Gadelha (Oficial de Justiça Avaliador Federal do TRT 8ª Região e bacharel em Direito pela Faculdade Ideal de Belém-Pa e Especialista em Direito Processual Civil pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá do Rio de Janeiro-RJ.) 1 INTRODUÇÃO Os direitos coletivos passaram por grande período de construção dos seus principais institutos, tanto no direito estrangeiro, quando destacamos o direito norte americano e o direito brasileiro. Não cabe aqui neste estudo se aprofundar nas origens históricas do direito coletivo no direito comparado, pois tomaria todo o trabalho, entretanto, pela amplitude que este tema ganha atualmente, sendo, inclusive, muito oportuno destacar que o direito brasileiro sofreu muita influência do direito coletivo americano, onde as class action são largamente difundidas, apesar de seu surgimento remontar ao século XII, em plena idade média, conforme nos ensina Marcin apud Gidi (2007, p.42), quando escreve, in verbis: Todavia, é historicamente impreciso traçar as raízes das modernas class actions apenas às bill of peace das court of chancery da equity, como faz a maioria dos autores. Uma forma primitiva de ação de grupo já existia muitos séculos antes, podendo ser encontradas na Inglaterra medieval do século XII, onde alguns grupos sociais litigavam em juízo representados por seus líderes. Confirmado a nascente histórica das ações coletivas no direito inglês, o professor Mafra Leal apud Castilho (2006, p. 2) vem aduzir a polêmica do momento considerado como inicial da aplicação deste tipo de direito, conforme a seguir expõe, in verbis: [...] Márcio Flávio Mafra Leal afirma que a maioria dos estudiosos, como Cound, Friedenthal e Sexton, além de Zechariah Chaffe, localiza os antecedentes da moderna ação coletiva no século XVII, como uma variante da Bill of peace. Mafra Leal, contudo, contesta tal entendimento. Reportando-se a Stephen Yeazell, defende que as primeiras ações coletivas surgiram não com a Bill of peace, mas pelo menos, cinco séculos antes, na Inglaterra medieval do século XII. Nascendo ou não este tipo de direito no Século XII, o importante é que ele já está entre nós, tendo se desenvolvido muito amplamente no Brasil a partir da década de 70 do século XX, quando foi pesquisado a fundo por ilustres representantes da doutrina nacional, seja com a edição da Lei de Ação popular seja com a Lei de Ação Civil Pública. Assim, de modo a sintetizar o estudo, não nos deteremos no surgimento histórico das ações coletivas no mundo, mas sim, como surgiu o direito coletivo brasileiro com as principais questões debatidas até os dias atuais, tanto na legislação como na doutrina, dando uma pequena pincelada pelo entendimento que já se desponta na jurisprudência brasileira, principalmente, quanto ao aspecto da autonomia das normas adjetivas de direito processual coletivo, instituídas principalmente pela Lei de Ação Civil Pública e pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 2 TUTELA COLETIVA O julgamento de demandas de massa pelo Judiciário se caracteriza pela apreciação dos direitos coletivos, entendidos como aqueles, conforme nos ensina o professor Zavaski (2008, p.15), “cuja titularidade é subjetivamente indeterminada, já que pertencentes a grupos ou classes de pessoas“, transcendendo a esfera individual, podendo receber feições de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo, ganhando alcunha, segundo a doutrina, de metaindividuais, transindividuais ou ainda de supra-individuais. Como os direitos coletivos não podem ser eficazmente tutelados pelos meios tradicionais utilizados pelo direito processual comum, destinados, precipuamente, a resolver litígios individuais, do tipo Caio versus Tício, houve, de fato, uma grande necessidade do surgimento de instrumentos processuais novos, que pudessem tutelar, não apenas o indivíduo, mas sim, toda a coletividade nas chamadas demandas de massa. Daí, surgirem, na visão de Almeida (2003), dois momentos distintos para as ações coletivas no Brasil: um antes e outro depois da Lei de ação civil pública – LACP (Lei 7.347/85). Elenca que, antes desta, o que havia eram direitos assegurados de forma esparsa, sem qualquer conexão, como no art.513 do Decreto-lei nº. 5452/43 (CLT – Consolidação das leis do trabalho) que legitimava os sindicatos a representarem os membros da categoria em juízo, bem como, a previsão da ação de dissídio coletivo no art.856 da CLT, verdadeira forma de tutela coletiva de direitos. Mancuso (2007) nos apresenta a revogada Lei nº. 1.134/50 (EFP - Estatuto dos funcionários público) que facultava a representação coletiva de seus associados, e o antigo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB - Lei nº. 4.215/63), com a previsão para representação da classe em juízo, ou fora dele, pela Ordem, na defesa dos interesses da classe, instrumento, nitidamente, de cunho coletivo. Bem como, com a Lei nº. 4.717/65 (LAP - Lei de Ação Popular), que visa anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural por qualquer cidadão; pela Lei Complementar 40/81 (LONMP- Lei orgânica nacional do Ministério Público) que atribuía legitimidade ao Ministério Público para propor a ação civil pública (ACP); e pela Lei 6.938/81 (PNMA - Política Nacional do Meio Ambiente) que legitimou o Ministério Público para entrar em juízo na defesa de direitos difusos ligados ao meio ambiente. A aprovação da lei da ação civil pública, propriamente dita, Lei 7.347/85, destinada a tutelar alguns interesses difusos, elencados taxativamente no art. 1º, originariamente aprovado, em regime de substituição processual pelo Ministério Público, tornou-se, verdadeiro marco divisor para a tutela coletiva de direitos transindividuais, transformando o ordenamento jurídico brasileiro, até, então, restrito a tutelar direito individual, para também, tutelar direito coletivo, sendo esta, a principal ação na defesa de direitos difusos, apesar de sua aplicação ser taxativamente regrada. Mas foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 consagrando o Estado Democrático de Direito (art.1º) que surgiu no Brasil, segundo Almeida (2003), o direito processual coletivo comum, como novo ramo do direito processual, embalado pela segunda onda renovatória do acesso à justiça, nas concepções idealizadas por Mauro Cappeletti apud Didier (2008) inseridas no art.5ª, XXXV, que se estendeu aos direitos coletivos, os mesmos direitos assegurados aos direitos individuais. Tal concepção se consagrou com a recepção da Lei de Ação Civil Pública e expansão do seu objeto, referendando a legitimidade do Ministério Público, dentre outros, para defender interesses difusos e coletivos, de forma ampla, não recepcionando o rol taxativo do art. 1º da LACP. As ações coletivas tutelam direitos e interesses que desbordam dos limites individuais tradicionalmente tutelados pela legislação comum, necessitando de novos instrumentos processuais para tutelar adjetivamente esta nova modalidade de direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos Este novo ramo, segundo boa parte da doutrina, teria por escopo assegurar aos indivíduos, enquanto coletividade, os direitos coletivos em geral previstos na Constituição, com acesso ilimitado e incondicionado à tutela jurisdicional, bem como, dar vida a algumas das mais importantes ações coletivas, além de aumentar a abrangência das ações já existentes, como no caso da ação popular e da ação civil pública. Na Constituição Federal, a base material de proteção dos direitos coletivos pode ser visualizada de forma expressa no seu texto, quando determina ser dever do Estado e da Sociedade velar pelo meio ambiente sadio (art.225), inclusive o do trabalho (art. 200, VIII), pela manutenção do patrimônio cultural (art. 216, §1º), pela proteção e defesa dos direitos dos consumidores (art.170, V), pela integração do Estado com a coletividade através de exigência de participação popular na política urbana (art.182), dentre outros. Tais direitos materiais constitucionalmente previstos devem ser assegurados à sociedade de um modo geral por ações coletivas previstas no próprio texto constitucional ou dele decorrente, devidamente instituída em lei, sendo necessário um breve estudo destas ações, para se configurar a verdadeira realidade destas ações no atual direito coletivo brasileiro e sua praticidade e efetividade como medida de evitar um verdadeiro albaroamento de ações nos órgãos do Judiciário. Por isso Batista (2005, p.35) em excelente dissertação resume os benefícios da ação coletiva e dos atos normativos que vieram regular sua tutela, afirmando que, in verbis: Tais corpos normativos engendraram fantásticas transformações como por exemplo: 1) atribuíram legitimidade ao Ministério Público e entes coletivos públicos e privados para a propositura de medidas judiciais em defesa de interesses metaindividuais (art.5º, da Lei nº. 7.347, de 24.07.1985, e art.82, da Lei nº.8.078, de 11.09.1990); 2) alargaram o âmbito de tutela desses interesses, enunciando outros além do patrimônio público, como o meio ambiente, o consumidor, o patrimônio artístico, histórico, turístico e paisagístico, entre outros, e deixando o rol aberto a ser completado de acordo com sua geração na sociedade de massa, que não cessa de apresentar o nascimento de novos direitos e carências, como já se estudou (art.129, III, fine, da Constituição Federal e art. 1º, da Lei nº.7.347, de 24.07.1985, em especial o inciso IV, introduzido pela Lei nº. 8.078, de 11.09.1990; 3) viabilizaram a inversão do ônus probante nas ações coletivas, a critério do juiz, segundo exigir o caso concreto (art.6º., VIII, Lei nº. 8.078, de 11.09.1990), estabeleceram a fórmula conceitual dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos para servir de parâmetro na classificação dos novos direitos emergentes e, ante à tipologia, tornar viável sua proteção pelas ações coletivas; 5) admitiram a tão útil e necessária coisa julgada erga omnes e ultra partes, no domínio das tutelas coletivas, reproduzindo o conteúdo expresso no art.18, da Lei nº. 4.717, de 29.06.1965 (art.16, da Lei nº. 7.347, de 24.07.1985, art.103, da Lei nº. 8.078, de 11.09.1990. Por este motivo é que atualmente as ações coletivas são foco de grande estudo pelos juristas nacionais a fim de garantir cientificidade aos institutos que ainda se embrionam no direito positivo brasileiro. Assim, este trabalho volta-se mais especificamente ao microssistema das ações coletivas para, então, analisar a coisa julgada material gerada como resultado destas ações no exercício da jurisdição, principalmente, com relação à possibilidade de utilização da coisa julgada gerada em caso de procedência do pedido, nos vários direitos coletivos tutelados. 3 AÇÕES COLETIVAS TÍPICAS Para aplicação do direito processual, a Constituição Federal prevê direitos, garantias e princípios processuais comuns, tanto na esfera individual, como na esfera coletiva, como também, prevê, expressamente, a maioria das espécies de ações coletivas, tais como: · ação popular (art.5º, LXXIII); · mandado de segurança coletivo (art.5º, LXX); · mandado de injunção coletivo[1] (art.5º, LXXI); · ação de impugnação de mandato eletivo (art.14, §§10 e 11); · ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade[2] (art.102, I, a); · ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental (art.102, §1º); · ação de dissídio coletivo (art.114, §1º); e · ação civil pública (art.129, III). Esta última com seu objeto ampliado e legitimidade assegurada ao Ministério Público, dentre outros, ficando patente, a importância da Constituição em matéria de direitos coletivos. Ganham força aquelas ações de natureza, eminentemente coletivas, que não são expressamente previstas no texto constitucional, mas sim, por decorrência da própria Constituição. É o caso da ação de improbidade administrativa (art.37, §4º, CF/88), regulada pela Lei 8.429/92, que visa tutelar o direito transindividual dos cidadãos de ter um governo honesto, eficiente e zeloso pelas coisas públicas com diversas penalidades em caso de enquadramento nos tipos ali previstos, devendo ter atuação marcante tanto dos órgãos do Ministério Público como dos cidadãos organizados, bem como, da ação civil coletiva (art.91, CDC). Ensina Shimura (2006) que em todas essas ações o ponto de convergência reside nas diferenças de procedimento em relação às ações comuns, tais como: legitimidade ativa concorrente e disjuntiva (aquela em que qualquer um dos legitimados pode agir de modo autônomo, independentemente da concordância ou atividade do outro), donde podemos destacar as associações e o Ministério Público e formação de coisa julgada material erga omnes e ultra partes (conforme estipula os artigos de cada lei, principalmente o art.103 do CDC). Evidenciando desta forma que todas as ações coletivas tem um elo de ligação umas com as outras, socorrendo-se uma das normas das outras, donde se tira a grande contribuição da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Proteção e Defesa do Consumidor como normas base de direito processual coletivo no tratamento da tutela jurisdicional coletiva, conforme veremos a seguir no chamado microssistema processual coletivo. 4 MICROSSISTEMA PROCESSUAL COLETIVO Apesar de ser muito recente a experiência brasileira com a tutela coletiva, pode-se vislumbrar a existência de um regramento processual próprio, instituído, primeiramente, pela Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65), seguido pela Lei de Ação Civil Pública (LACP - Lei 7.347/85) e pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei 8.078/90). A doutrina majoritária[3] nos afirma Didier (2008) consagra chamar de microssistema processual coletivo, este grupo normativo surgido com a entrada em vigor do CDC e sua interação com a LACP, regulando, principalmente, a representação em juízo (legitimatio ad causam) e os limites da autoridade da coisa julgada, dentre outros institutos próprios, como bem nos ensina Vigliar (2001B, p.36), in verbis: Dois dos mais importantes fenômenos relacionados à defesa em juízo dos interesses transindividuais apenas se justificam se se tomar o exposto como uma premissa (a legitimatio ad causam, que na defesa dos interesses transindividuais é confiada a um ente dotado de representatividade adequada – seja por presunção, seja pelo preenchimento de determinados parâmetros exigidos por lei; e , no outro extremo, a disciplina da coisa julgada, que merecerá uma série de mitigações, a fim de que todos os interessados possam beneficiar-se da tutela jurisdicional, conforme veremos adiante). A integração da LACP com o CDC tem sido estendida pela jurisprudência para outros institutos normativos, conforme o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux, nos ensina em julgamento de Recurso Especial[4], realizado em 09/09/2008, acórdão, abaixo, in verbis: Aliás, o atual microssistema constitucional de tutela dos interesses difusos, hoje compostos pela Lei da Ação Civil Pública, a Lei da Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente, revela normas que se interpenetram, nada justificando que a moralidade administrativa não possa ser veiculada por meio de Ação Popular [...] Outros já defendem a necessidade de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, existindo atualmente quatro ante-projetos no Congresso Nacional: o do profº Antônio Gidi, elaborado em 2002, denominado “Código de Processo Civil Coletivo. Um modelo para países de direito escrito.”; o do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, escrito pelos Professores Ada Pellegrine Grinover, Kasuo Watanabe e Antônio Gidi, revisto depois por uma comissão de juristas[5]; o elaborado, sob a coordenação da Profª Ada Pelegrine Grinover, junto ao programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da USP – Universidade de São Paulo; e, o elaborado, sob a coordenação do Profº Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, em conjunto nos programas de pós-graduação da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da UNESA – Universidade Estácio de Sá. Para tanto, por erga omnes, podemos entender o efeito de a sentença produzir eficácia para todos, enquanto que ultra partes seria o efeito da sentença coletiva cuja eficácia vai além das partes, mas restrita a um grupo, categoria ou classe específica e não para todos. Grinover (2007) afirma que a tutela dos direitos individuais homogêneos tem como instrumento básico a ação civil coletiva, disciplinada, fundamentalmente, nos arts. 91 a 100 do CDC, bem como, o mandado de segurança coletivo, enquanto o instrumento mais adequado para tutela dos direitos transindividuais (coletivos strictu sensu e difusos) seria a ação civil pública, bem como, a ação popular, o que, na visão de Zavascki (2008, p.24), se traduz na existência de um, in verbis: Subsistema com objetivos próprios (a tutela de direitos coletivos e a tutela coletiva de direitos), que são alcançados à base de instrumentos próprios (ações civis públicas, ações civis coletivas, ações de controle concentrado de constitucionalidade, em suas várias modalidades), fundados em princípios e regras próprios, o que confere ao processo coletivo uma identidade bem definida no cenário processual. Não se trata apenas de criar um novo sistema de direito processual, mas sim, de se fazer tornar efetivos os direitos assegurados no texto constitucional, de modo a se alcançar a efetiva paz social. Deste modo, são inaplicáveis algumas regras do direito processual civil clássico ao processo coletivo, que utiliza regras próprias para tutela de direitos coletivos latu sensu, dentre estas, as que regulam a representação em juízo, a coisa julgada, a litispendência, dentre outras, previstas no subsistema adotado por Zavascki (2008). Especificamente quanto à coisa julgada veremos que há um verdadeiro confronto entre os regimes jurídicos de processo individual e de processo coletivo. Vislumbramos que o Código de Defesa do Consumidor possui um papel muito importante no regramento da coisa julgada coletiva, pois é este diploma legal que atribui a extensão dos efeitos subjetivos da coisa julgada coletiva para as três espécies de direitos coletivos inseridos no seu texto, seja coletivo strictu sensu, .difuso ou individual homogêneo. Portanto, muito importante é saber qual norma deve regrar a tutela de direitos coletivos, principalmente, quanto a diversidade de ações coletivas encontradas no ordenamento jurídico brasileiro, existindo lei próprio regrando cada uma delas, bem como, tentar uniformizar a aplicação das regras gerais impostas pelo microssistema de tutela coletivo surgido com a promulgação do CDC. Daí, termos que estudar cada uma destas ações coletivas para compreender o as regras gerais do CDC/LACP como normas do microssistema de direito processual coletivo no ordenamento jurídico brasileiro. Este último, passando, a partir de então, a ser o ordenamento processual civil coletivo de caráter geral, devendo ser aplicado em todas as ações coletivas, se caracterizando pela interação perfeita com a lei da ação civil pública - LACP (Lei 7.347/85), criando um verdadeiro regime de interdependência e complementaridade entre o CDC e a LACP. A doutrina na visão de Zavascki (2008) denomina a isso de princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum, reforçando, ainda mais, a autonomia do direito processual coletivo comum brasileiro, na defesa dos interesses, sejam de massa, sejam coletivos. Este princípio caracteriza-se pela interligação dos sistemas processuais da LACP e do CDC, criando o chamado microssistema processual coletivo brasileiro, sendo aplicáveis indistintamente a um e ao outro reciprocamente, conforme artigos 90 do CDC e 21 da LACP, bem como a qualquer outro direito coletivo que não tenha regra específica. Não se pode esquecer que outras leis infraconstitucionais regram direitos coletivos, seja como direito material, seja como direito processual, tais como: · a lei de ação popular (Lei 4.717/65); · o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90); · a lei dos deficientes físicos (Lei 7.853/89); · a lei dos investidores no mercado mobiliário (Lei 7.913/89); · a lei defesa da ordem econômica e da livre concorrência (Lei 8.884/94); · a lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/92); · o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03); · o Estatuto dos Torcedores (Lei 10.671/03); · o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001); · a lei de biossegurança (Lei 11.105/05), dentre outras. Essas leis devem utilizar o Código de Defesa do Consumidor (CDC) como norma processual geral, a Lei de Ação Civil Pública (LACP) como norma complementar integrativa e o Código de Processo Civil (CPC) como norma geral da ciência processual e como fonte subsidiária do processo coletivo, respeitadas as peculiaridades das relações de consumo que são regidas especificamente pelo Título III do CDC, bem como qualquer outra regra específica. 5 DIREITO COLETIVO LATU SENSU Os direitos coletivos latu sensu são aqui entendidos na concepção dada pelo CDC, no seu art.81, parágrafo único, como: direitos difusos, direitos coletivos stictu sensu e direitos individuais homogêneos. Consideram-se, nos termos do art.81, parágrafo único, incisos I, II e III do CDC (lei 8.078/90): a) Direitos difusos: os interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; Explica-nos Zaneti (2008, p.31) que, in verbis: tem-se por direitos difusos (art.81, § único, I, CDC) aquele transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a vários indivíduos), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo),e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não se consegue sua individuação, nem mesmo como grupo) e ligadas por circunstâncias de fato – anterior e independente da lesão ou ameaça ao direito. Portanto, não existe um vínculo comum de natureza jurídica, v.g., “a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através de imprensa falada, escrita ou televisionada, a afetar uma multidão incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma relação base”. b) Direitos coletivos stricto sensu:, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular o grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Na visão de Zaneti (2008, p.32), in verbis: Já os direitos coletivos (art.81, § único, II, CDC) foram classificados como direitos transindividuais (no sentido supra descrito), de natureza indivisível, de que seja titular grupo categoria ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determináveis – enquanto grupo, categoria ou classe) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Nesse particular cabe salientar que essa relação jurídica base pode se dá entre os membros do grupo “fato de sua organização” ou pela sua ligação com a “parte contrária”, v.g., os advogados inscritos na OAB. c) Direitos individuais homogêneos: aqueles que se caracterizam por serem individuais e divisíveis, cujos interesses são de origem comum, ligados por relações comuns, autorizando, por essa razão, a demanda coletiva, bem como individual de cada um. Como esclarece Zaneti (2008, p.33), abaixo in verbis: O CDC conceitua os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem, ou seja, os direitos nascidos em conseqüência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é ex posto factum (fato lesivo). Frise-se, não em razão do local ou da época do evento danoso, mas sim da sua origem fática comum (agente lesivo). Sendo assim, apesar de não constituir-se de direito coletivo strictu sensu pode-se colocar os direitos individuais homogêneos dentro dos direitos coletivos latu sensu. Avançou muito mais ainda o constituinte, quando, além da seara coletiva, quis garantir o acesso às demandas de massa, instituindo mecanismo de defesa coletiva para direitos individuais homogêneos, através da ação civil coletiva (art.5º, XXXII, CF). Conforme nos ensina Zavascki (2008, p.16) quando diz que como modo de promover a defesa dos direitos dos consumidores, pode-se entender como direitos individuais homogêneos, in verbis: o conjunto de diversos direitos subjetivos individuais que, embora pertencendo a distintas pessoas, têm a assemelhá-los, uma origem comum, o que lhes dá um grau de homogeneidade suficiente para ensejar a sua defesa coletiva. Assim, podemos vislumbrar dois núcleos básicos de proteção constitucional às ações coletivas latu sensu: - as provenientes dos direitos coletivos strictu sensu e difusos, de natureza subjetiva transindividual, sem titulares determinados; e - as provenientes dos direitos subjetivos individuais pertencentes a titulares diversos, mas determináveis e oriundos da mesma causa fática ou jurídica, com afinidade suficiente para assegurar-lhes a tutela em conjunto (direitos individuais homogêneos). Daí, Leonel ( 2002, p.108) afirmar que, in verbis: Não obstante a crítica eventual quanto à inserção como espécie de interesses coletivos, foi expressa a opção do legislador, e embora não sejam ‘coletivos’ na essência, tais interesses o são formalmente ou acidentalmente para fins de tratamento processual. Ou como melhor ensina Leonel (2007, p.67):”Assim sendo, exsurge a relevância da definição conceitual destes direitos individuais aos quais a legislação brasileira empresta proteção jurisdicional bivalente, ou seja, por via das ações individuais ou coletivas.” 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se vislumbrar que a opção do legislador por aplicar as técnicas processuais coletivas aos interesses coletivos (difusos, coletivos strictu sensu e individuais homogêneos) visa, além do acesso à justiça, a economia processual e a efetividade do processo, evitando que haja julgados diferentes para situações iguais, viabilizando demandas de massa que, seja pelo custo-benefício, seja pela praticidade processual, ensejavam uma verdadeira abertura do Judiciário a essas demandas para que fossem processadas no direito processual civil individual dificilmente chegariam a ser judicializadas. REFERÊNCIAS ALVIM, J. E. Carreira. Ação rescisória comentada. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009; BATISTA, Roberto Carlos. 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[1] Aplicado por analogia ao mandado de injunção individual, pois não expresso no texto constitucional, sendo largamente aceito pelo STF, conforme o julgamento do Mandado de Injunção n. 342, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 9.12.1994; Mandado de Injunção n.102, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 25.2.1998. [2] Introduzida mediante Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993. [3]DIDIER JR. Fredie; ZANETI JR. Hermes. Processo Coletivo. v. 3. 3. ed. rev., ampl. e at. Salvador: Jus podium, 2008, p.51. [4]STJ - RESP nº. 474475/ SP, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j.09/09/2008, DJe, de 06/10/2008. [5] Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Anibal Quiroga Leon, Enrique M. Falcon, José Luiz Vásquez Sotelo, Ramiro Bejanaro Guzmán, Roberto Berizonce e Sérgio Artavia.

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